Todo ano é a mesma coisa: no dia 31 de dezembro, a prefeita despeja
um rio de dinheiro no aterro da praia de Iracema para promover um show
musical para mais de um milhão de pessoas e a oposição protesta.
A argumentação dos que se opõem pode ser resumida assim: seria
absurdo para uma cidade onde há tantas carências básicas e necessidades
emergenciais gastar alguns milhões de reais em somente um dia de festa.
O modo às vezes extremado como alguns opositores desenvolvem sua
linha de raciocínio sugere que a iniciativa é absurda enquanto houver um
único buraco no pavimento das ruas. Discrepam quanto à prioridade.
Onde a oposição vê gasto sem retorno, um “desperdício”, a prefeitura
realiza com a intenção do investimento: o recurso retornaria pela via
direta da oportunidade renda e pela via indireta do incremento
tributário.
O discurso da prefeitura é de conta na ponta do lápis: assegura que é
crescente, apenas para dar um exemplo, a ocupação antecipada da rede
hoteleira logo para os últimos dias do ano que termina.
Como se sabe, o turismo é uma atividade capilar, interage com muitas
outras cadeias produtivas e com potencial multiplicador – não só em
emprego formal, mas em iniciativas individuais de baixa renda também.
Há quem veja no evento até uma contribuição para melhor qualificar o
próprio perfil do turista que nos visita. Quem vai lá, percebe que se
trata de uma festa familiar, inclusive com a presença de muitas
crianças.
Na medida do possível, a organização do evento tem dedicado, ainda,
atenção plural: ali já se apresentaram artistas emergentes (Mona
Gadelha), de linguagem refinada (Caetano Veloso), além da turma do
bagaço (Ivete Sangalo).
Não custa ressaltar ainda um fato que deveria gratificar a autoestima
da cidade: a beleza de se ver milhões de pessoas reunidas em nome da
alegria, sem nenhuma ocorrência grave de violência (mesmo com a polícia
em greve).
Se há algo que se possa dizer em contrário, o digo agora: erra muito a
prefeitura em não buscar com maior empenho o apoio da iniciativa
privada para financiar parte do evento. Muitas cidades o fazem com
sucesso.
Outra atitude que deveria adotar a prefeita seria tornar mais
transparente a prestação de contas dos gastos com a festa. São
frequentes as declarações conflituosas entre artistas e organizadores do
evento sobre os cachês pagos.
A ausência de parcerias privadas e de transparência nos gastos é
motivo de desgaste para a imagem da gestão e fornece munição para que
seus opositores lhe combatam mesmo naquilo em que é bem sucedida.
Enfim, investir na alegria não é sempre um desperdício, pois a alma
também precisa ser nutrida – “Nem só de pão vive o homem”, alguém já
disse. Mas, “se vai rolar a festa”, que se gaste menos e melhor. Aí, o
ano começa bem.
* Ricardo Alcântara,
Publicitário e poeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário